top of page

 Artistas

Independentes

na pandemia

Os desafios encontrados em meio a quarentena

   Em dezembro de 2019 em Wuhan, China, foi descoberto um novo vírus denominado SARS-CoV-2. É uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus, potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global. No Brasil, em fevereiro, durante o carnaval, foi confirmado o primeiro caso do vírus em São Paulo. Mas foi em março de 2020, que o mundo inteiro foi surpreendido vivendo num cenário nunca antes imaginado com a população sendo obrigada a se isolar em suas casas, e enfrentando uma das maiores pandemias já vistas.

   A Covid-19 proporcionou situações difíceis, desde o fechamento temporário de shoppings, lojas, aeroportos, o distanciamento social até escolas e faculdades se adaptando ao mundo EAD. A partir disso, foram criados decretos, como o de nº 64.881, de 22/03/20, que define quais são os serviços essenciais à população, quais não essenciais e como eles devem funcionar. A medida foi adotada com o objetivo de inibir a aglomeração de pessoas e a disseminação do vírus.

   Com a proliferação do vírus, as fronteiras se viram obrigadas a fechar para impedir a entrada de estrangeiros e estabilizar a taxa de infectados. Mesmo com as restrições do protocolo de ação em nível global para frear a contaminação, a queda no fluxo de passageiros ao redor do mundo impuseram grandes perdas dentro do turismo. De acordo com a Confederação Nacional de Comércio, Serviços, Bens e Turismo - CNC, o turismo acumulou perdas de R$ 87,7 bilhões só em três meses desde o início da pandemia. De acordo com revista lançada pelo Ministério do Turismo com dados sobre o impacto da Covid-19 no setor, houve redução de 59% no faturamento do turismo brasileiro e de 58% na economia criativa.

   O setor cultural foi um dos mais afetados com a chegada da pandemia e gerou grande impacto na vida desses profissionais com a suspensão de atividades presenciais, como em teatros, museus, shows e no contato com as pessoas nas ruas, no caso de plateias para as apresentações.

   Um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com a Secretaria de Cultura e Economia Criativa e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae), aponta uma queda de 31,8% no PIB do setor criativo no ano de 2020, o primeiro ano da pandemia, em relação à 2019. 

   Para dimensionar a crise provocada pela pandemia nos setores cultural e criativo no país, foi realizada uma pesquisa entre julho e setembro de 2020 em todo o território nacional. De acordo com esse levantamento feito com o apoio da UNESCO no Brasil, do Serviço Social do Comércio (SESC), da Universidade de São Paulo (USP), do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e de 13 Secretarias Estaduais de Cultura, as artes cênicas foram as mais afetadas do setor cultural, com a perda total de receita para 63% dos profissionais. Ainda segundo a pesquisa, nesse setor, a maioria dos artistas que atuam na área de circo (77%), em casas de espetáculo (73%) e no teatro (70%) perderam a totalidade de suas receitas entre maio e julho.

   O termo artista independente é usado para denominar profissionais que contam apenas com seus próprios recursos para fazerem seus trabalhos. Com a pandemia, eles se viram em uma delicada situação e tiveram que se reestruturar para sobreviver em meio ao caos que o Brasil enfrenta. No decorrer desta reportagem traremos relatos de pessoas que vivem da arte e compartilharam suas vivências e dificuldades enfrentadas durante a pandemia, assim como também, as soluções encontradas e as maneiras que lidaram com o isolamento social.​

   No universo das artes é possível identificar que os artistas independentes trabalham de forma colaborativa, coletiva e individual. Cada um deles com suas especificidades, que serão melhor explicadas em cada capítulo e, as diferentes alternativas que usaram para lidar com a crise instalada no setor cultural, em específico, na cidade de São Paulo.

Colaborativos
DSC_0006_edited.jpg

 Escondida entre as vielas 

   Localizada na Vila Madalena, mais precisamente na Rua Gonçalo Afonso, na altura do número 111, a Casa de Comade foi — e continua sendo — uma alternativa viável e sustentável de empreendedorismo para artistas independentes. Fundado em 14 de novembro de 2020, sob a visão de uma loja colaborativa, que nada mais é que o compartilhamento e a troca de serviços e objetos entre empresas, o "Coletivo de Moda, Arte e Design", como é definido por sua fundadora Viviane “Vicky” Machado, é um espaço intrínseco ao Beco do Batman.

 

   As peculiares vielas tomadas por grafites, saltam aos olhos o nicho de artistas independentes presentes na comunidade. Gente que ocupa o mesmo espaço há muito tempo: alguns há 10 anos, outros há 2 anos, como é o caso do André Barcella e aqueles que, como a Rita Perez, enxergam sua participação no Beco como um adendo a Casa de Comade.

   A Casa, na verdade, é uma expansão dos sentimentos de Vicky pela comunidade de artistas presentes na Vila Madalena. Um espaço físico que já era coletivo, que vendia produtos de diferentes segmentos e que hoje tomou forma com a loja. Em especial, espaços colaborativos como a Casa de Comade, foram a saída para donos de pequenos negócios comercializarem  diretamente os seus produtos durante a pandemia da Covid-19. 

   Refugiados em plataformas digitais, doações e na espera do auxílio emergencial — quando fundada a Casa de Comade, a lei Aldir Blanc dava os seus primeiros passos — os artistas alertam que a rua também não sobrevive sem a arte. Tão forte é esse sentimento que há oito  meses lidando com o isolamento social e a retomada progressiva das atividades, a comunidade artística do Beco do Batman vivenciou o luto de perder um dos seus maiores representantes.  Morto ao tentar separar uma briga, o artista plástico Wellington Copido Benfati, conhecido como NegoVila Madalena, não resistiu ao tiro disparado por um policial militar.

DSC_0008 (2)_edited.jpg

Frases de protesto com relação a morte de NegoVila

20211006145020_edited.jpg

Pichações feitas no local onde NegoVila foi morto

   A consolidação de figuras como o NegoVila, mesmo depois de sua morte, é o que possibilita a criação de espaços como a Casa de Comade. Numa sociedade onde a arte não é respeitada, as relações profissionais e até de afeto entre a classe artística, como a tomada das paredes do Beco do Batman de  preto em sinal de luto, é o que dá margem para o surgimento de novas figuras.

   Foram as relações profissionais e afetivas que asseguraram a decisão de André Barcella em trocar a segurança de ter uma carteira de trabalho assinada pela arte de rua. O artesão, de 42 anos de idade, trabalhou por anos como técnico em enfermagem, e há 3 anos trocou o ambiente hospitalar pelas ruas. Ironicamente, a decisão de trabalhar com arte, e ainda mais com arte de rua, antecedeu em um ano a pandemia do novo coronavírus, o que para muitos seria motivo de desistência, André encarou de frente:  "Eu tive que me forçar a aprender. A lidar com o Instagram, mesmo que de maneira bem simples, e oferecer o meu trabalho através das redes sociais. Eu ligava para algumas pessoas que já eram clientes e fazia uma chamada de vídeo e mostrava ‘ó, tô fazendo tal produto, você não gostaria?’”.

   Apesar de André gostar muito do convívio que ele tem com o público na rua, ele ressalta o quanto o coletivo o tem ajudado em outros aspectos:

"

No coletivo, a gente tem alguns aspectos mais relacionados à segurança. A rua como um espaço público, você está sempre à mercê de clima, de todo o tipo de pessoas circulando e de instabilidade socioeconômica.  As pessoas que vêm pra rua também não têm tanta condição financeira, elas procuram produtos bem mais baratos. Na loja, não, lá eu consigo ter uma margem de lucro maior, isso pra mim faz a diferença.

   Diferente do que muitos pensam, não são todos os artistas que estão na rua por não terem outra opção, alguns deles como a artista plástica Rita Perez (45), estão na rua por querer. Rita conta que trabalhou por 13 anos como designer gráfica, mas decidiu deixar o mundo corporativo para viver do que realmente amava fazer: artes plásticas. “Eu quis ser assim, eu quis sair do corporativo”. 

   Como muitas pessoas que vêem alguém trabalhando na rua, Rita também tinha preconceito: “Foi bem difícil dizer ‘eu vou para a rua’. Eu tinha um preconceito muito grande em mim, não sabia o que era isso”. Depois de três anos trabalhando como artista plástica, Rita ainda comenta que: 

"

A gente tem um preconceito de que se tá na rua não é bom e isso não é verdade. Se você anda aqui no final de semana, você só vê pessoas boas, vê trabalhos fantásticos, diferente de ir em um shopping, que você só vê coisa feita por uma máquina e uma pessoa obrigada a estar lá.

Rita Perez com suas criações em "Toy art" expostas na Casa de Comade

   Com a chegada da pandemia, a artista, assim como outros, não teve como vender seus produtos, o que resultou na parceria com a modista Vicky Machado e a criação da Casa de Comade, um espaço físico que sozinha não conseguiria manter.  A artista plástica, que é do grupo de risco, precisou se isolar completamente . Nesse período, o coletivo a ajudou na parte financeira, ela continuou vendendo seus brinquedos, mas não tinha contato com o público, que era o que mais sentia falta. “Fica um pouco impessoal porque você não tá aqui, tá ela representando você, mas você não tem mais aquela vivência com cada um que aparece”. 

   Para os artistas que estavam acostumados a lidar diretamente com o público no dia a dia, o afastamento das ruas foi cruel. “As pessoas estão aqui porque elas querem vender aquilo que elas fazem e elas querem passar esse carinho para outra pessoa, isso é muito especial”. Para finalizar a artista completa: “O legal da rua é que você vai conhecendo as pessoas e se apresentando como artista. Tem muita gente que gosta disso, conhecer quem é que faz aquele trabalho. Você conquista (o público) e conhece a história de cada um também, isso é muito legal”.

A desmoralização de quem trabalha nas ruas

"

Trabalhar na rua é muito cansativo, a gente passa por todo o tipo de coisa porque a maioria das pessoas, aqui no Brasil sobretudo, acaba que não entende muito bem quem trabalha na rua, acabam pensando que porque tá na rua já não vale mais nada — Vicky Machado

   O artesão é toda pessoa física que, de forma individual ou coletiva, faz uso de uma ou mais técnicas no exercício de um ofício predominantemente manual, por meio do domínio integral de processos, transformando matéria-prima em produto acabado que expressam identidades culturais brasileiras. 

   Para fins de estabelecimento de políticas públicas no país, foi aprovado em 2015 a Lei 13.180/2015, que reconheceu a profissão de artesão, e estabeleceu em suas diretrizes a valorização, qualificação, apoio comercial, com identificação de novos mercados, a certificação de qualidade e a divulgação do artesanato brasileiro. A existência da lei, por si só, não garante o cumprimento da mesma — desconhecida pela população — e regularmente despeitada pela Guarda Civil Metropolitana (GCM). 

Roupas vendidas na Casa de Comade

   A GCM, aqui entendida como uma instituição fiscalizadora, age sobre o “Controle do Espaço Público e Fiscalização do Comércio Ambulante” a respeito da redução significativa do uso inapropriado do espaço público por ambulantes irregulares e ilegais por meio de ações de fiscalização. A paridade entre “ambulante” e “artesão” não é exclusiva a GCM, mas sintomático a uma nação que não valoriza a arte, principalmente a feita nas ruas, e um governo que instiga a proibição de qualquer manifestação artística em locais públicos.

   Ocupando o mesmo espaço, ambulantes e artesãos possuem qualificações e, sobretudo, direitos diferentes — com o adendo a regularização do comércio ambulante pela Lei n°11.039/1991 e o Decreto n°42.600/2002. A fiscalização, como ação legal a ambas as categorias, envolve a checagem de documentos e, em último caso, a apreensão adequada da mercadoria — colocada num saco próprio da prefeitura e em seguida lacrada. Cabe ressaltar que, a justificativa de “não portar a nota fiscal de origem da mercadoria” ou “a imitação de marcas e reprodução de CDs e DVDs” não é condizente ao profissional artesão.

   A apreensão inadequada de mercadorias não é um caso isolado, e já fez de nossa personagem principal, Vicky Machado, uma de suas vítimas. A modista relatou que já teve seus produtos apreendidos de forma ilegal, quando ainda trabalhava na rua, mais precisamente na Avenida Paulista, cartão postal de São Paulo, conhecida por acolher diversos artistas de ruas, principalmente aos domingos. A ilegalidade apontada por Vicky diz respeito a não checagem da documentação e a invalidação da “Carteira Estadual do Artesão — SUTACO”: 

"

Eu já fui tomada pelo rapa, porque aquilo foi um roubo. Eu não tive a quem recorrer porque eu estava dentro da lei, eu estava atendendo os parâmetros que a prefeitura determinou para as pessoas trabalharem e ainda assim o fiscal, pelo próprio entendimento dele, naquele dia resolveu tomar as minhas coisas.

   Em teoria, o Estado reconhece a categoria como regulamentada pela Subsecretaria do Trabalho Artesanal nas Comunidades (SUTACO), e torna necessário o registro com a entidade estadual, por meio de carteirinha, para expor e comercializar produtos em espaço público. Fundada em 1970, a SUTACO tem como objetivo promover a inclusão produtiva dos artesãos por meio de oportunidades de geração de renda e desenvolvimento local de modo economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente responsável. A organização também é responsável por emitir a “Carteira Nacional do Artesão — SICAB” no âmbito do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), que regulamenta a atividade do artesanato em território nacional.

   Questionada se conseguiu reaver sua mercadoria, a modista completa: "Ninguém me respondeu sobre isso, eu fui atrás do chefe, eu fui na prefeitura e foi quando eu vi que realmente era um descaso e que ninguém tava nem aí”. Era domingo de maio, dia das mães, Vicky estava com seu filho no colo.

   Situações como essa que ela já viveu e presenciou foram partes importantes para que tomasse a iniciativa de criar o Coletivo de Mulheres Artistas de Rua. Vicky conta que na rua já passou por situações desconfortáveis também com comerciantes locais, com clientes mal-educados, além das autoridades que, contraditoriamente, prezam pelo discurso de liberação do espaço público, devolvendo-o ao uso regular e coletivo da sociedade. 

   Em uma dessas situações, a modista usou de sua formação em Direito para assegurar que ela e seus colegas não fossem proibidos de vender no Beco do Batman: "Consegui que alguém imprimisse a Lei do Artista de Rua e a Lei do Domingo Livre".  No final a modista pôde expor suas mercadorias, e que depois do ocorrido somente ela e mais uma colega permaneceram para vender.

O consumo consciente

   Alimentada pelo conceito de sustentabilidade, a moda consciente ou sustentável, como também é conhecida, tem ganhado destaque ao propor uma produção mais humanizada - sem a exploração da mão de obra - e a remuneração mais justa. Agregada aos princípios da economia solidária, a moda sustentável estimula redes de crescimento socioeconômico em oposição à forma hegemônica de produção, uma iniciativa benéfica a expansão das lojas colaborativas, ao assegurar o  reconhecimento profissional a costureiras e artesãos não valorizados nas redes de fast fashion.

   Responsável por cerca de 8% e 10% das emissões CO2, a indústria da moda é o segundo setor que mais polui, respondendo por em torno de 20% da poluição de rios e oceanos e por 23% dos produtos químicos consumidos, divulgados pela ONU Meio Ambiente, os dados foram reforçados durante a 26ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26). Hoje, há mais roupas sendo produzidas do que o necessário e em pouco tempo de uso, descartadas. O consumidor médio compra cerca de 60% mais peças de vestuário do que há 15 anos e cada item é utilizado por apenas metade do tempo, aponta estudo feito pela Mckinsey & Company. 

   O advento da moda sustentável vem da iniciativa daqueles dispostos a encarar o problema de frente e buscar soluções para um consumo mais consciente. Muitos consideram os termos moda e consumo consciente incompatíveis. O primeiro por implicar na produção de produtos que tem um ciclo vida muito curto, enquanto que, o segundo engloba ações e atividades econômicas que tem como finalidade suprir as necessidades dos seres humanos sem comprometer o futuro das próximas gerações.

   O conceito de moda sustentável trabalha e produz aquilo que colabora com a economia sustentável, a partir de ateliês, oficinas e cooperativas, visando o cuidado com os processos de produção de uma peça e as pessoas envolvidas nele; a valorização da cultura, como o artesanato local, e a criação de materiais atemporais.

   Como uma loja colaborativa fundada por uma modista, a Casa de Comade segue as linhas da moda sustentável, principalmente no que diz respeito a seus membros. Os produtos ali expostos representam a identidade de seus criadores e o princípio de uma Moda Verde: com a redução do consumo de recursos, os materiais e os processos que são escolhidos para desenvolverem o produto, levam em conta a diminuição do impacto ambiental, como o uso de tecidos de fibras orgânicas (algodão orgânico, fibras de abacaxi, bambu etc.) e a não utilização de corantes sintéticos.

20211006134529.JPG

Roupas infantis desenvolvidas pela Vicki

DSC_0016.JPG

Rudy Kids é a marca de roupa criada pela Vicki

   A pegada mais responsável sobre os aspectos ambientais e sociais presente na moda sustentável pode e deve ser expandida aos novos padrões de consumo numa sociedade pós Covid-19 como abordado no estudo “EY Future Consumer Index”, publicada pela Veja INSIGHTS em colaboração com a EY Parthenon,” a pesquisa analisa especificamente o impacto da pandemia da COVID-19 sobre os consumidores brasileiros, seus hábitos de consumo e comportamentos.

   De acordo com o estudo, 54% dos brasileiros passaram a comprar apenas o essencial, o que resultou em forte impacto sobre o desempenho em segmentos mais voltados à vaidade, o que pode ser associado ao fechamento de todo o varejo considerado “não essencial”. Ou seja, 62% dos brasileiros estão visitando menos lojas físicas e 39% passaram a encomendar produtos variados de forma online.  

   A longo prazo, o estudo mostra uma aceleração do comportamento social e ambientalmente responsável dos brasileiros. Dos entrevistados, 62% afirmam que diminuirão as idas ao shopping, 70% tentaram prestar mais atenção ao impacto social dos produtos consumidos e 64% afirmaram que irão se aproximar de marcas que conhecem e confiam.

   O consumo consciente não acontece de uma hora para a outra, ele é construído de forma gradual. Para Gabrielle Neves (21), colaboradora da Brasa, veículo colaborativo sobre Hip Hop, a ideia de consumo consciente é anterior a pandemia de Covid-19, mas que foi potencializada durante o período de isolamento: 

"

Antes da pandemia eu tentava consumir mais produtos que fossem de pessoas independentes, porém, eu não vou mentir, eu falhava bastante nisso por causa do dia a dia. Na pandemia bateu a noção de comprar coisas de necessidade. Se eu comprar um produto artesanal de uma pessoa que faz arte de um jeito independente, eu sei que a porcentagem de lucro que ela ganha vai tudo para ela. 

   Os hábitos e as decisões que emergiram com a pandemia parecem condicionar também as expectativas de consumo no futuro, diretamente, relacionado à situação de renda:  35% da população sofreu redução de 50% ou mais de seus ganhos, segundo a EY Parthenon. A adequação a uma nova realidade financeira impacta no que os consumidores estão dispostos a pagar mais, seja produtos de alta qualidade (48%), bens e serviços mais sustentáveis (45%) ou marcas que contribuem para a comunidade (37%). Em suma, a pesquisa publicada pela Veja INSIGHT valida a experiência de consumo consciente vivida por Gabrielle: 

 

   “Sua visão muda quando você pensa em durabilidade e quando você entende o quanto é difícil ganhar dinheiro. Não só sobreviver, mas viver também. Às vezes eu quero muito algo porque sei que vale a pena, mas às vezes é um preço muito mais caro do que eu posso pagar”. 

Os dados dos artistas colaborativos

2.png

   As mudanças de hábitos e padrões de consumo provocados pelo coronavírus, ou seja, pela paralisação das atividades cotidianas e inviabilidade das formas tradicionais de interação social e de relacionamento com marcas,  também foram estudadas pela equipe de reportagem. Realizado de 3 a 14 de novembro de 2021, o formulário “Artistas Independentes” obteve 69 respostas. 

   Aqui, os artistas independentes são estudados sob a experiência de uma loja colaborativa. É Importante ressaltar que, quando questionados sobre o apoio dado a artistas independentes, 94,2% dos entrevistados afirmaram sustentar a classe artística, consumindo em 75,4% seus produtos. 

  No entanto, tal margem de incentivo não é mantida à correlação “artista independente” e “loja colaborativa” , já que 69,9% dos entrevistados afirmam não conhecer ou frequentar (71%) um espaço colaborativo mantido por artistas independentes.

 

   Em discordância ao dado anterior, 73,9% dos entrevistados afirmam que passaram a consumir mais produtos de lojas colaborativas, sendo 43,5% a taxa de consumo anterior à pandemia. Em resumo, os produtos mais consumidos são peças artesanais (27,1%), acessórios (15,9%) e roupas (11,6%).

   A divergência de opiniões é uma resposta a não associação de artesãos e modistas, concentrados em espaços colaborativos, a categoria de artistas independentes. E ao entendimento básico de consumo consciente, em favor do meio ambiente, mas não direcionado ao apoio de pequenos empreendedores.  

Coletivos

 A arte coletiva de rua 

   Os coletivos de artistas de rua, sejam músicos, atores, dançarinos ou artesãos, estão presentes em espaços públicos e atuam de forma conjunta na viabilidade de algum projeto. Atualmente, esses grupos costumam não ter uma hierarquia presente e isso faz com que todos os integrantes trabalhem paralelamente. Assim, é formado um ambiente interdisciplinar em que cada um ensina o que sabe e, juntos, se complementam em prol de um único objetivo: propagar a arte.

   Um dos segmentos mais comuns são os coletivos de dança, que costumam atuar em espaços públicos ao alcance de todos. Esse é um dos principais métodos que diversas comunidades encontram para expressar seus valores, bem como estar em qualquer lugar, compartilhando conhecimentos, movimentos e diferentes culturas. 

  Quando pensamos nisso, logo imaginamos um dos grandes e mais populares gêneros de dança coletiva: o hip hop. Esse movimento cultural, surgido nos Estados Unidos por volta dos anos 1970, é o resultado de confrontos e comutações culturais entre negros norte-americanos, jamaicanos e porto-riquenhos. Com isso, essa troca espontânea entre jovens considerados marginalizados se mostrou apta para desenvolver uma conexão entre diferentes expressões culturais dessa época, indo além de palavras e se encontrando, também, na dança, designando o que conhecemos hoje como rap, grafite e break.

   Na gênero rap, por exemplo, é possível identificar características específicas que expressam sentimentos de revolta e exclusão desses jovens e isso faz com que essas apresentações se tornem ainda mais fortes no sentido de lutar contra esse preconceito e conquistar um espaço para exibir essa arte de rua. No Brasil, o hip hop chegou em 1980 e, ao longo desses anos, ganhou cada vez mais espaço entre os jovens, misturando ritmo, poesia, dança, arte e roupas para transmitir esses pensamentos e reflexões.

DSC_0030_edited_edited.jpg

Grupo Hip Hop no Vagão ensaiando para as apresentações

DSC_0021 (2)_edited.jpg

Membros do Hip Hop no Vagão se encontrando na República

   Um exemplo disso é o grupo Hip Hop no Vagão, um coletivo de dança do estilo break que surgiu em 2018. A turma foi fundada pelos integrantes Luiz Paulo Roberto de Oliveira (Lula), Denilson Alves (Baby) e Gustavo Bianchi (Guh), que se identificaram pelas suas vivências no mundo da dança e, principalmente, dentro desse gênero musical. De início, eles começaram a se apresentar na linha vermelha do metrô, próximo à Zona Leste, e, aos poucos, foram percebendo outras possibilidades de espaço e começaram a atuar em outros diversos lugares a fim de entender como cada estação funcionava e como o público acolhia esses shows. 

   Conforme os anos foram passando, mais pessoas passaram a integrar o grupo, dando continuidade ao propósito de transparecer a vivência de cada um através do hip hop. Hoje, Kennedy Gomes (Pikeno), Denis Alves (Smoke.D), Willian de Souza (Uiu), Arthur Doná (Zeus), Emerson Silva (Emersu) e Beatriz Pontes complementam o coletivo, totalizando 10 integrantes. Juntos, passaram pelas linhas azul, verde e da CPTM, até se encontrarem novamente na linha vermelha, entre as estações República e Barra Funda, realizando, em média, de 20 a 30 shows por dia. 

   Além das apresentações, o grupo também se dedica a dar aulas para crianças como artistas educadores, em CCA (Centro para Crianças e Adolescentes), por exemplo, e em workshops, sendo capaz de colocar em prática suas experiências em viagens, competições, estilos e estudos especializados. 

Apresento-lhes: Malandrage

   No final de 2019, o maior projeto do grupo começou a ser desenvolvido. O espetáculo “Malandrage” surgiu por meio de uma proposta realizada por uma empresa privada, que convidou o coletivo depois de assistir algumas apresentações postadas pelos integrantes nas redes sociais. O convite do projeto tem como foco a atuação em uma intervenção no mês da Consciência Negra.

   A partir disso, começaram a rotina de encontros nas estações. Colocaram em prática os ensaios e o compartilhamento de ideias, reflexões, cultura, leitura e diversas outras coisas que se identificavam, tendo por objetivo exibir o melhor de cada um durante o show, pensar o que poderiam passar de mensagem para o público e como poderiam utilizar o conteúdo que tinham. 

   Em busca de um nome para o espetáculo que representasse o grupo como um todo, encontraram “Malandrage” como uma ligação às experiências que tinham dentro do ramo, que serviu como mensagem principal que gostariam de passar para as pessoas. Mesmo com receio de ser algo distante do que a intervenção, talvez, pudesse estar procurando, eles sabiam que sendo verdadeiros mostrariam algo completamente diferente do que o público e os responsáveis pelo show estavam acostumados a ver. 

   “Levamos esse nome com as nossas vivências de malandragem que usamos para sobreviver e poder ter a vida que a gente tem. Isso é algo muito valioso para nós. Começar no vagão, viver muitas coisas e saber que essas apresentações nos movimentam para o nosso objetivo de poder, cada vez mais, expandir o nosso trabalho, é muito gratificante”, relata Kennedy Gomes, conhecido como Pikeno. Contudo, a pandemia chegou antes mesmo que pudessem realizar a primeira apresentação, fazendo com que o projeto fosse adiado.

Vírus, pandemia e quarenta: o novo normal 

   Assim como para diversos artistas independentes do país, a crise pandêmica também foi sentida fortemente pelo grupo Hip Hop no Vagão, principalmente com o primeiro grande projeto em construção. A falta de apoio e de recursos foram um dos principais impactos para o coletivo, uma vez que alguns tiveram que se resguardar em casa durante meses e depender do auxílio emergencial do governo enquanto a situação não melhorava para retornar aos encontros. 

   No início, ninguém conhecia a Covid-19 e não sabia lidar com a situação. Muitos profissionais se prejudicaram com os cancelamentos de eventos causadas pelas restrições impostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Foi naquele momento que entenderam a gravidade do problema.

Membros do Hip Hop no Vagão assistindo o treino dos outros integrantes

   Decretada a quarentena, todos se afastaram dos vagões e passaram a se adaptar com a nova realidade, principalmente no meio digital, dado que, durante a pandemia, 73% dos usuários da internet aumentaram o consumo de conteúdo das plataformas digitais, segundo pesquisa do Kantar Ibope Médio. Assim, essas ferramentas serviram como palcos dos artistas de rua para sustentarem suas atividades e manter o contato com a população virtualmente. 

   Com isso, uma grande movimentação de lives começou a crescer no Instagram e o grupo decidiu propor a mesma ideia aos seguidores da plataforma para que pudessem ficar em casa. Surpreendentemente, o que iniciou com uma ótima interação e visualização por parte dos usuários, com o tempo ficou mais desanimado e menos participativo, justamente pela saturação de tantas pessoas fazendo transmissões ao vivo de forma recorrente.

Screenshot_20211121-195205_Instagram.jpg

"

Antes da Covid-19, a gente via a tecnologia de uma forma diferente, pois crescemos no Instagram muito rápido. Em 1 ano de coletivo, estávamos com cerca de 19 mil seguidores acompanhando o nosso trabalho, então muita gente via e interagia. No tempo de pandemia, isso foi uma saída e uma forma de resolver o problema que estávamos enfrentando, no sentido de migrar para o on-line tudo que era para ser presencial, mas muitas pessoas cansaram de lá. Quando fazíamos as primeiras lives, muita gente participava, porque era a coisa do momento, mas depois todo mundo começou a fazer também e isso acabou saturando. Chegamos a perder até 2 mil seguidores

Instagram do grupo Hip Hop no Vagão

   Essa situação conseguiu afetar psicologicamente os dançarinos. Demorou um certo tempo para que eles, então, entendessem que era um cenário global e que as pessoas estavam saturadas por esse tipo de conteúdo. 

   De certa forma, foi o Instagram que conseguiu ajudar o grupo a alcançar um considerável número de pessoas para apresentar e compartilhar o trabalho, mas, no momento mais intenso da pandemia, o retorno dos seguidores não ocorreu da forma que todos esperavam. Foi importante ter essa reflexão de que nem tudo é só números em plataformas digitais e entender que devem continuar com shows independente de rede social. 

   Passaram, então, para os encontros on-line para manterem os alinhamentos e os planejamentos das atividades. Além disso, buscaram estar um ao lado do outro nesse momento para não afetar a vida e a mente de cada um, como também não abalar o futuro do coletivo.

   Durante essa temporada de crises, muitas associações voltadas para os artistas se mantiveram firmes com foco em auxiliar o máximo de pessoas e a esperança de passarem por essa etapa com o menor impacto possível. 

   “A gente quer crer que estamos no final da pandemia, atravessamos um período longo que é comum dizer que nós fomos o primeiro setor a ser paralisado e o último a voltar. O sindicato, como todas as entidades da cultura, desempenhou o papel de resistência nesse setor, tentando manter as condições mínimas dos trabalhadores. Conseguimos transpassar e chegar vivo do outro lado, atravessando essa ponte”, diz Doberto Rocha Carvalho, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Diversão (SATED).

O caminho rumo à normalidade

   Foram, no mínimo, seis meses longe das apresentações presenciais desde o início da pandemia. Aos poucos, os integrantes começaram a voltar com os encontros e shows, mas mantendo os cuidados redobrados para que ninguém fosse afetado e para que a arte continuasse presente nos vagões. 

   O distanciamento entre os integrantes do grupo e o público, o revezamento das equipes, as apresentações reduzidas durante a semana, o uso de máscaras e a higienização das mãos com álcool em gel foram os métodos que todos aderiram para poderem retornar progressivamente. 

   Isso se manteve no decorrer de todo esse tempo e, hoje, sentem que, finalmente, as coisas podem voltar a se estabilizar novamente e com mais proteção, já que, no mês de novembro, o estado de São Paulo ultrapassou a marca de 90% dos adultos com vacinação completa. Assim, eles almejam continuar espalhando esse trabalho e conseguir abrir ainda mais portas ao longo do trajeto.

DSC_0015_edited.jpg

Pessoas assistindo o ensaio do Hip Hop no Vagão

DSC_0001_edited.jpg

Membros do Hip Hop no Vagão treinando

   Em relação aos profissionais de segurança desses espaços, o grupo acredita ser uma questão não generalizada, pois já enfrentaram situações em que um guarda conversou e tratou com respeito, como também já utilizaram força bruta e violência verbal para tirá-los do espaço, já que se trata de algo proibido. 

   “Desde sempre a gente sabia que existia a possibilidade dos guardas nos retirarem, mas de início perdíamos muito tempo tentando conversar para tentar continuar. Tinha segurança que nem escutava e pedia para nos retirarmos, assim como outros que passavam um pano e deixavam a gente continuar. Isso é bem relativo, não tem como generalizar”, afirma Kennedy.

   O que os meninos conseguem fazer para driblar essa proibição é se apresentarem com o máximo de atenção e quando algum guarda se aproxima e questiona um deles, o abordado diz estar sozinho. Isso faz com que o grupo inteiro não precise se retirar, apenas o que foi abordado, permitindo que os outros continuem no local para dar andamento às apresentações.

   Uma alternativa para essa liberação é a recente aprovação pelo Senado do Projeto de Lei (PL) 3.964/2019 que ainda aguarda votação pela Câmara dos Deputados, o qual permite a realização de apresentações artísticas e manifestações culturais em infraestruturas de mobilidade urbana, como vias públicas, estações e paradas de transporte e estacionamentos, inclusive no interior de veículos de transporte coletivo (ônibus, trólebus, trens, metrô, monotrilho, VLT, balsas, entre outros)”. A proposta segue para a Câmara dos Deputados. 

   Essa possível legalização do espaço é algo que o coletivo discute bastante, pois, além dos artistas, há pessoas que vendem produtos ou que estão na situação de pedinte. Quem está trabalhando deve ter a compreensão e o respeito, colocando-se no lugar do outro e, assim, entender que todos estão em busca de uma vida melhor.  

   Junto a isso, a turma tem o receio de, ao ser colocada em prática esse projeto de lei, a profissão bombe e cresça ainda mais o número de artistas dentro desses lugares, dificultando o trabalho. Obviamente é algo que requer tempo e organização, que, com qualidade, reverência e entendimento de todos os lados, pode funcionar muito bem. 

   Hoje, o Hip Hop no Vagão tem o apoio do VAI, o programa para a Valorização de Iniciativas Culturais, que apoia financeiramente atividades artístico-culturais, principalmente de jovens de baixa renda e de regiões do município desprovidas de recursos e equipamentos para poder dar continuidade no processo do espetáculo “Malandrage”. Com esse auxílio, todos puderam investir nos ensaios e nos estudos para a realização do show que já foi apresentado na Estação Sé, linha azul, com o apoio do Metrô de São Paulo, e na Casa de Cultura Vila Guilherme (Casarão). Confira um trecho da apresentação abaixo:

"

‘Malandrage’ é atenção, tensão e intenção o tempo todo na vida do morador de periferia tentando se esquivar da violência das ruas e das correntes que prendem mentes todo dia. O que nos mantém de pé na cidade que quer nos derrubar. É a cultura de rua, é a cultura preta, é o breaking, é o funk, é a capoeira que nos protege e nos diverte e nos faz querer aprender. A favela nem queria, mas com o tempo aprende a ser. Ninguém tinha que ser malandro para poder sobreviver - Hip Hop no Vagão.

Dados sobre os artistas coletivos

3.png

   Em novembro de 2021, foi identificado um alto apoio de grande parte das pessoas que responderam ao formulário que, mesmo sem muito contato com dançarinos de rua, fazem questão de evidenciar a empatia e o acolhimento desses profissionais para que possam continuar essa rotina de apresentações.

   Foi observado por 58% dos entrevistados uma diminuição desses grupos no metrô de São Paulo durante a pandemia. Por mais que a maioria dos respondentes se concentre na zona leste, apenas 27% das respostas relatam conhecer o grupo Hip Hop no Vagão.

DSC_0048_edited.jpg

O coletivo Hip Hop no Vagão nos seus ensaios

Individual

 A nova realidade de um cover 

   Falta de dinheiro, dificuldades em se sustentar e medidas restritivas. A vida de artistas independentes que trabalham de maneira individual depende muito de aglomerações e contato com o público, especialmente para aqueles que vivem da música, de shows ou para quem trabalha diretamente na rua. Segundo a pesquisa, “Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil”, divulgada em live do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, para 42% dos artistas brasileiros a pandemia acarretou redução de 100% de receita com seu trabalho entre março e abril de 2020.

   Os artistas individuais são aqueles que trabalham de forma autônoma e não se juntam a nenhum tipo de grupo ou outros artistas independentes. Para Doberto Rocha Carvalho, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões (SATED), esses artistas se constituem como  empresário de si mesmos, um CNPJ, pois são seus próprios produtores, seus patrões e seus próprios prestadores de serviços em primeira instância.

   Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Doberto Carvalho afirmou que para o sindicato, eles não diferenciam os artistas, todos são independentes para eles e durante a pandemia, o SATED se colocou no papel de resistência perante os problemas enfrentados, como a paralisação do setor cultural.

"

Os artistas independentes fazem parte do nosso sindicato, aliás, podemos dizer que todos os artistas são independentes [...] eles acabam se constituindo como microempreendedor individual, que é uma categoria  independente.

   Em pesquisa realizada pela nossa reportagem, cujo os dados é possível visualizar no infográfico ao final deste capítulo, muitos respondentes deixaram claro o fato de apoiar os artistas independentes, em especial, os de rua. Para eles, esses artistas são os mais fortes que existem, pois fazem uma arte de guerrilha, onde o público não pode ser controlado e está sempre mudando, além disso, são pessoas corajosas e esforçadas.

   Em São Paulo, os artistas de rua são mais vistos nas regiões centrais, principalmente na Sé, República, Paulista e 25 de março, de acordo com levantamento e pesquisa de perfil do “Observatório do turismo da cidade de São Paulo”. Esses artistas estão espalhados por infraestruturas de mobilidade urbana, como ônibus e metrô, e muitos deles possuem a arte de rua como principal fonte de renda. Com o avanço da pandemia, esses artistas acabaram sendo afetados negativamente. Além disso, a necessidade de consumo cultural no Brasil ficou em último lugar na escala.

   Entretanto, alguns deles tentaram usar a pandemia de forma positiva dentro do possível para desenvolver suas artes, como por exemplo, a utilização de redes sociais para aumentar a visibilidade de seus trabalhos. Foi o caso de Johnny Matos (37), cover do Bruno Mars que utilizou as redes sociais como forma de alavancar sua carreira, em especial, utilizando o Instagram, com mais de 22 mil seguidores e Facebook com 60 mil seguidores, para se comunicar com seus fãs, seja postando fotos e vídeos divertidos como forma de entreter seu público durante esse tempo, ou fazendo lives aos domingos para conversar com seus seguidores. Sempre pensando positivo e além das barreiras físicas impostas pela quarentena.

A pandemia na vida de um cover

   Chegando para ser entrevistado, Johnny Matos aparentava não querer conversar, comeu em silêncio as esfihas que comprou e não parecia à vontade em um lugar desconhecido. Já caracterizado como o cantor Bruno Mars, Johnny se sentia melhor utilizando os óculos escuros, isso por conta de um procedimento que estava fazendo nas sobrancelhas.

   Quando se sentou na cadeira para a entrevista, parecia inquieto, nervoso ou talvez apenas cansado do dia cheio. Depois de vir do Grajaú até a Mooca, logo após sua aula de técnicas vocais avançadas, que durou três horas e necessitava que ele não falasse muito mesmo horas depois. Assim, ele aparentava ser tímido.

   Entretanto, foi só começar a entrevista que ele se abriu como um livro, alegre e bem comunicativo, características que ele atribui a seu signo: gemêos, fala muito, inclusive quase soltou informações confidenciais e foi preciso regravar parte da entrevista.

    Johnny Matos é o cover oficial do Bruno Mars aqui no Brasil, e é a prova de como esse cenário musical em que está inserido foi prejudicado e imerso em dificuldades e desafios durante esse período incerto.

Johnny Matos durante sua entrevista

   Jhonny tinha dois contratos de apresentação na emissora SBT, uma no programa do Silvio Santos e outra na Hora do Faro, que foram rescindidos, o que frustrou a expectativa do artista em expandir sua visibilidade. Antes da pandemia ele possuía uma renda fixa, trabalhando em regime de CLT, mas foi demitido em março — no auge de casos de Covid-19 no Brasil — de um centro de convenções e exposições localizado em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo, que produzia eventos.

   Entretanto, Johnny teve que encontrar uma alternativa e se reinventar. Mesmo sem previsão de volta às ruas e aos palcos, ele entendeu que era um bom momento para desenvolver melhor o seu produto, sendo assim, Johnny usou o tempo que ele ficou parado para fazer shows em casa, como uma maneira de treinar e fez tudo isso sozinho. Procurou um professor de música, revisou contratos, foi atrás de figurinos para ele e seus dançarinos e se aprimorou como um dos maiores covers do Brasil.

  Assim como muitos artistas independentes, Johnny teve seu aspecto psicológico afetado por conta do isolamento social, entretanto, como ainda estava no começo de sua carreira como cover — fazia dois anos e dois meses que trabalhava nisso até o começo da pandemia — o "baque" acabou sendo menor para ele do que para aqueles que estavam nessa área há tantos anos e eram acostumados com shows lotados e encontros com fãs.

   A saúde mental foi um dos maiores problemas que esses artistas enfrentaram, principalmente, por não terem em quem se apoiar e serem autônomos, logo, não estando 100% saudável, o trabalho não rendia e o dinheiro não chegava. Uma pesquisa do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS), divulgada em novembro de 2020, apontou que a ansiedade foi o transtorno presente em 86,5% dos 17.491 indivíduos adultos ouvidos pelo Ministério da Saúde, seguido de estresse pós-traumático (45,5%) e depressão grave (16%), no primeiro ano de pandemia. Uma porcentagem alta que reflete um dos obstáculos que a pandemia nos trouxe: a saúde mental. 

   Sobre esse aspecto, Doberto Carvalho afirma que o SATED tem recebido cada vez mais relatos de artistas que começaram a sofrer — ou tiveram uma intensificação — de problemas psicológicos, causados pelo isolamento social.

"

Temos um prejuízo que é da ordem psicológica, não sou psicólogo, mas eu sou um dirigente sindical que tenho recebido diversos relatos de síndrome do pânico, de ansiedade, de depressão, oriundos da pandemia e eu acho que isso pode ser computado como um prejuízo humano desse setor - Doberto Carvalho

   Johnny é cover do Bruno Mars há 3 anos, porém é formado em publicidade e propaganda pela UNINOVE e utilizou seus conhecimentos na área para maximizar seu produto, se tornando seu próprio empresário para que pudesse administrar sua carreira. Baseando-se em três fases, - a primeira, ele coreografando junto com dançarinos, a segunda ele cantando e dançando, e a terceira, banda completa - sendo que ele estava na segunda, Johnny decidiu partir para o desenvolvimento da última fase que contava com dançarinos, banda completa, coreografias e vocais, inclusive, teve seu grande ídolo, Rodrigo Teaser (cover do Michael Jackson), o apoiando para que não ficasse parado durante a pandemia e avançasse com seus planos.

   No dia 24 de setembro deste ano, Johnny Matos fez seu show de estreia como intérprete de Bruno Mars no Propósito Hall, localizado na região da Mooca, zona leste de São Paulo. Um dia importante na carreira do cover, já que além de retornar à ativa, depois de quase dois anos sem se apresentar, Johnny estava gravando seu material promocional, que foi postado no Youtube como um vídeo dos bastidores, que agora faz parte de seu portfólio e que com certeza, abrirá portas para que esse cenário cultural em que vive continue a ativa. No vídeo abaixo, você confere um pouco mais da história de Johnny Matos e sua trajetória até se tornar o maior cover de Bruno Mars no Brasil.

A volta do setor cultural

   Com o avanço da vacinação no Brasil e a diminuição de mortes pelo vírus, o setor cultural está cada vez mais perto de retomar suas atividades de forma plena. Uma pesquisa feita pela nossa reportagem, a fim de coletar dados sobre como anda a expectativa da população em relação ao retorno gradativo do setor de entretenimento, mostra que 68,6% dos respondentes estão com expectativas positivas e com alto índice de vontade de consumir produtos de um artista independente. Dorberto Carvalho acredita que estamos caminhando para o final da pandemia e que o setor artístico foi o primeiro a ser paralisado e será o último a voltar 100% e que esse retorno será bem lento.

"

A gente não pensa que imediatamente vai ter uma fluência enorme de público, mesmo porque se você observar, o consumo cultural, por assim dizer, no Brasil, ele é muito pequeno, é muito baixo.

Doberto Carvalho em entrevista cedida a nossa reportagem

   Para Johnny, o setor de eventos foi o primeiro a parar e o que mais sofreu, mas agora, com o retorno gradativo está esperançoso com relação às produções de seus shows, pois ele fez tudo que estava ao seu alcance para oferecer um bom produto: “Eu já investi muito recurso, tempo, dinheiro e amor nesse projeto. Então eu diria que tem que dar certo! Tem que ser produtivo! ”

   Por isso, a partir de agora Johnny irá focar em iniciar uma campanha de marketing que irá envolver disparos de e-mail marketing, de comunicação em WhatsApp e, principalmente, impulsionamento de posts no Instagram e Facebook. E agora com o ‘show’ pronto, ele terá mais tempo para focar no TiktTok e Youtube, fazendo seu alcance orgânico atingir ainda mais pessoas.

DSC_0020_edited.jpg

Johnny Matos durante sua entrevista para a nossa reportagem

johnny_edited.jpg

Johnny Matos no Propósito Hall em seu show de estreia depois da pandemia

   Assim como Johnny, artistas tiveram que se reinventar, criar novas alternativas e se adaptarem à nova realidade do país e do mundo, muitos passaram por dificuldades,  mas a esperança foi o fator que determinou a lutarem por sua arte. Não existem dados que exemplificam o sofrimento e a quantidade de vidas de artistas que foram perdidas nessa pandemia. Nem indicativos da perda estrutural que a arte sofreu como um todo, não apenas no financeiro. Mas há informações que mostram sinais de recuperação do setor cultural e enfatizam a importância do contato com as pessoas. 

   De acordo com uma pesquisa do Itaú Cultural e Datafolha, 42% dos brasileiros sentiram falta de entretenimento e convívio social em 2021. Com as atividades culturais, no último mês em São Paulo, voltando com 100% de sua capacidade (sem descartar a proibição de aglomerações e medidas de higienização dos ambientes), já está sendo possível observar um retorno gradual e positivo com relação a esse setor, o que mostra que a arte resiste, inova e sobrevive em meio a pandemia.

Os dados dos artistas individuais

1.png

   A imagem ao lado mostra os dados coletados entre os dias 3 a 14 de novembro, com relação aos artistas individuais. Foram obtidas 69 respostas que foram usadas para a criação do infográfico. A maioria das pessoas (65,2%) responderam conhecer algum artista de rua que trabalha de forma autônoma, sem a ajuda de outras pessoas, ou seja, que fazem suas artes sozinhos, apenas o artista e o público.

    Em concordância com o dado anterior, apenas 31,9% não consomem produtos ou conteúdos de artistas individuais, o que significa uma porcentagem de 68,1% de pessoas que consomem produtos e/ou conteúdos, ao mesmo tempo, é possível analisar que é um número maior do que de quem conhece artistas de rua, e pode-se inferir que mesmo sem conhecer esses artistas, as pessoas ainda sim consomem mais do que conhecem.

   No formulário, foi aberto uma pergunta de resposta livre: "qual sua visão com relação a artistas de rua?", cerca de 68 respostas foram falando de forma positiva desses artistas, sempre os apoiando e citando a coragem que têm por performar ou expor suas artes na rua, mesmo em tempos de pandemia.

   Por fim, mais da metade das pessoas parariam para ver os trabalhos de artistas de rua (55%), o que se pode concluir que talvez a correria do dia a dia seja um dos motivos de 45% deles não pararem para apreciar essa arte. Cerca de 88,8% tem expectativas altas para o retorno do setor cultural, evidenciando a falta que essa arte faz em nossas vidas e 76,8% não têm problemas em frequentar shows feitos na rua.

Lei Aldir Blanc

 Lei Aldir Blanc 

   Após um ano de pandemia, entre diversos projetos criados para ajudar os artistas, um se destaca, a lei Aldir Blanc - que homenageia Aldir Blanc Mendes, um dos primeiros artistas a morrer de Covid-19 -  de nº 14.017 de 29 de junho de 2020 que foi elaborada pelo Congresso Nacional com a finalidade de atender ao setor cultural, destinando para tal 3 bilhões de reais.

   Para receber o valor de R$ 600,00, os trabalhadores devem comprovar atuação no setor cultural nos últimos dois anos, não ter vínculo formal de emprego e não ter recebido o auxílio emergencial federal ou outros benefícios previdenciário ou assistenciais, seguro-desemprego ou valores de programas de transferência de renda federal, com exceção do Bolsa Família.

   Também é preciso cumprir critérios de renda familiar mensal máxima: até meio salário-mínimo (R$ 522,50) por pessoa ou total de até três salários-mínimos (R$ 3.135,00) por família, e, ainda, não ter recebido mais de R$ 28.559,70 em 2018. Os R$ 600,00 podem ser pagos para até duas pessoas de uma mesma família. Mães solteiras recebem o dobro do benefício, R$ 1.200,00. A lei estabelece o pagamento de três parcelas mensais, podendo ser prorrogado pelo mesmo prazo do auxílio do Governo Federal a trabalhadores informais e de baixa renda.

   A lei Aldir Blanc foi a maior salvadora para os artistas de rua, que perderam sua principal fonte de renda, além de também ter atenuado os impactos da pandemia, dando esperanças para as pessoas de um retorno rápido e completo do setor cultural.

   Mais informações sobre a lei pode ser encontrado no site "Dados culturais" do governo do Estado de São Paulo, importante destacar que essa lei abrange todo o território nacional.

Integrantes

AirBrush_20191122112440_edited.jpg

Eduarda Maria

Repórter, Editora, Redatora, Assistente de Produção

IMG_1890.jpeg

Eduarda de Paula

Assistente de produção, Editora, Redatora, Designer

IMG_0442.jpeg

Isabella Ventura

Assistente de produção, Fotógrafa, Redatora

WhatsApp Image 2021-11-19 at 20.51_edited.jpg

Luciana Vianna

Redatora, Fotógrafa, Assistente de produção

WhatsApp Image 2021-11-20 at 15.45.06.jpeg

Paula Scateno

Assistente de Produção, Fotógrafa, Redatora

0F35D5CE-476C-40E6-AF49-F66CE80467B1.JPEG

Stefany Lima

Repórter, Editora, Fotógrafa, Redatora

20201121_163158.jpg

Yasmin Lima

Repórter, Editora, Fotógrafa, Redatora, Designer

Conheça nosso Instagram -
  • Instagram
bottom of page